Esse humilde escrevinhador, piloto privado, mero motorista de ultraleves básicos há muito bate na tecla de que está havendo um certo desvio de finalidade na aviação leve e experimental.
A gente, que iniciou a carreira de manicaca maltratando os resistentes Paulistinhas, com suas “vertiginosas” setenta milhas de cruzeiro, motorzinho de 65, 90, no máximo 108 hps, fica estranhando quando alguém sem mais aquilo compra um RV 9, 10, 1001, sei lá qual o último grito, faz um cursinho a toque de caixa e sai pelo mundão, amparado no GPS, PA, stormscope, essas parafernálias todas, achando que os equipamentos manterão o pássaro voando.
Aí o sujeito faz navegações longuíssimas, enfrentando ou arriscando-se a enfrentar tempo adverso, sobre o qual não tem a mínima noção, passando por geografias totalmente estranhas, sempre confiado nos poderes da aviônica a bordo.
Claro que o caso do padre aquele, que se pendurou nos balões e achou que o GPS daria sua posição ao mundo, esquecendo-se de aprender a operar o dito aparelhinho milagroso é um exagero, mas muita gente está confiando demais na tecnologia embarcada e de menos no velho “pé e mão”.
Nada tenho contra proprietários e pilotos dessas excelentes máquinas. Confesso que tenho um sonho: fazer acrobacia.
Nunca fiz um parafuso até hoje.
Explico porque:
Para fazer o tal parafuso com segurança, necessito de uma aeronave adequada, um instrutor experiente, dinheiro para pagar as horas de vôo e tempo disponível para o curso. Aos meus dois leitores, que já me acompanham há mais tempo, não preciso repetir que quem não é rico, quando consegue dinheiro para fazer alguma coisa está embretado com o tempo, pois se parar de trabalhar, vai faltar pila e vice-versa ... Assim, como nunca tive tempo e dinheiro sobrando, acho que somente vou fazer acrobacia com asas de anjo, ou morcego … lá nas eternidades.
Esse negócio de ser acrobata com dicas de happy hour é caminho certo para deixar o meu amigo Beto (dono de funerária) mais sorridente …
Sou apaixonado por aviação desportiva, mas não executei até hoje uma única manobra acrobática porque não estou bem preparado teórica e praticamente. Como gosto da vida, da minha filha, de meus amigos, de minha querência, das mulheres que me aturam, fico no vôo feijão-com-arroz e vou vivendo …
Ainda bem que o Caputo também demonstrou sua preocupação. Chamo-o assim, sem senhoria, porque tenho um princípio no tratamento com nossos parceiros de aviação: ou somos uma comunidade irmanada igualitariamente na mesma paixão ou ficamos no cerimonial onde alguns são os senhores e outros os servos, no que não acredito.
Chamá-lo sem tratamento especial não me dispensa de colocar as coisas nos devidos lugares: embora não o trate por Cel., é claro que lá não chegou por acaso e, se pilotou (ou pilota) caça, manicaca é que não é. Evidentemente respeito e muito a sua experiência e preparo.
É justamente por isso que fico feliz ao saber que gente muito bem preparada também já se deu conta dos riscos a que se estão expondo nossos amigos ao pilotarem aviões cada vez mais velozes, com mais equipamentos. Uma coisa é um manicaca, piloto de básico, meter o bedelho onde não é chamado, outra é quando uma pessoa realmente preparada emite sua opinião, muito bem embasada.
Repito: um avião rápido e acrobático acho que é sonho de todos nós. Mas ele tem um inconveniente: nos leva dentro. Não é um aeromodelo que podemos espatifar no solo e ficar apenas nas contas com o prejuízo.
Voar é maravilhoso. Só tem uma coisa melhor do que isso ou equiparada e todos sabem qual é. Nos dois casos, se não nos preocuparmos com a segurança, o prazer pode custar muito caro …
Querem comprar um avião top de linha, rápido, equipadíssimo? Comprem. Mas antes de deolar, aprendam a voar o dito, não se achando habilitado apenas porque o caixa permitiu a compra.
Voei uma única vez em RV, achei o avião realmente muito bom, surpreendentemente com baixa velocidade de estol, aproximação tipo um Tupi e pouso curto, para as características de seu vôo em cruzeiro.
E aí mora o perigo: o novato achar que a baixa velocidade de aproximação, a curta decolagem, a docilidade de comandos já garante um vôo seguro.
Mas não vamos esquecer que o bichinho, mal sai do solo vira um foguete e que qualquer distração a baixa altura pode se transformar num reboliço dos infernos. Um coisa é dar-se um quiproquó num cabinho, com suas 40 milhas, pouca massa e conseqüente rápida desaceleração. Outra é enfiar uma bequilha no chão a 120 milhas, pilonar, etc.
Confesso que melhorei muito minha pilotagem, fazendo o caminho inverso. Depois de já estar bem ambientado nos homologados, entrei na aviação leve, e as pandorguinhas me ensinaram o que se tem que fazer com os pés e as mãos para não ficar “de a pé”. Se bem que algumas vezes fiquei …
Mesmo assim, toda a vez que vôo um homologado e me passam os comandos, peço ao piloto que fique atento, pois como diz a música gaudéria “tchê, como estou destreinado ...”
O outro aspecto que o Caputo muito bem abordou é o da tal instrumentação e desejo de voar IFR. Numa de minhas últimas escrevinhações contei o sufoco em que estava junto, como saco, quando um novato inventou de se embrenhar formação a dentro. Nos safamos, mas até hoje ele sabe que está em dívida comigo, pois colocou o couro dele e o meu na reta …
Voltando ao Forum da ABUL, vejo seguidamente amigos que estão embretados no meio de algum viagem para festa ou encontro. Ora, se ficam presos no meio do caminho é porque saíram sem as condições ideais para o vôo que pretendiam fazer. Arriscaram a chegar ao destino, a ficar nalguma alternativa, a ficar nalgum campo, com sorte, nalgum mato, morro ou cratera, com azar.
Com a mãe Natureza não se brinca. Aqui onde moro, neste verão tem dado cada temporal … Nunca vi tanta árvore derrubada pela força dos ventos. Imaginem uma pandorguinha ou até mesmo um avançado brigando com vento, raios, granizo e tudo o mais …
Aviação desportiva é aviação desportiva. Não é aviação geral, executiva, comercial ou de transporte.
Mas, mesmo ficando meramente na área esportiva, vamos fazer uma comparação com o esporte mais comum para os brasileiros, o futebol: se o sujeito é um perna-de-pau, se for se meter a craque, vai se dar mal. No futebol é pior: quem não leva jeito, por mais que freqüente escolinhas, etc., nunca chegará a Pelé.
Na aviação, muitas coisas ou até a maior parte delas são fruto de treinamento, esforço, repetição. O próprio voar já é uma ação contrária a tudo que é natural em nós. Temos que domesticar nossos instintos, às vezes ir contra eles, usar a razão, repetir, repetir, até que nossas ações se constituam como que num outro instinto . E isso não se consegue com saldo gordo na conta. Ajuda a pagar as horas e mais horas de treinamento, mas não é a varinha mágica.
Ao que parece, nenhum dos acidentes graves que tivemos em 2009 envolveu os básicos.
Não deve ser meramente acaso. Tampouco significa que os pilotos de básicos sejam ases. Pode apenas demonstrar que estejam fazendo a coisa certa: subindo a escada pelo degrau de baixo.
Não é vergonhoso ter humildade. Não faz mal à saúde pilotar um basiquinho, depois um avançado. Preserva o bem-estar assumir que o reluzente avião hangarado ainda deve ficar repousando ou ser pilotado apenas por quem realmente esteja apto.
Mas que deve ser gostoso fazer acrobacia, isso deve ...
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