segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Deoclécio Peão Voador - Chegando ao Curso

CHEGANDO AO CURSO

Deoclécio, o peão-aluno, Xuxa a égua transporte e quebra-galho, Ventania o cusco fiel, caçador de bichos e cadelas, formavam um trio de dar inveja pela felicidade que irradiava de rosto, cara e focinho de cada um.
O peão era o mais feliz dos gaúchos pela iminente aventura de, logo, no mais, estar galopeando pelos céus, tropereando nuvens. A égua Xuxa estava feliz por dar uma variada nos horizontes, saindo das cercanias da Fazenda do seu Ponciano. Já o cusco Ventania, além de correr pereás pelas beiras do corredor, sonhava em ver os filhos que plantara no ventre da cadela-mascote do Aeroclube.
Nem viram que o destino se aproximava. As luzes da cidade do Alegrete estavam “muy cercas”. Num tapa e percorriam a estradinha que vai do asfalto até os hangares e demais dependências do Aeroclube.
Ainda era noite, com o leve surgir da barra alaranjada do dia, quando chegaram. Deoclécio apeou, empeçou a desencilhar a montaria, livrou-a do freio. Aproveitando o laço de doze braças, oito tentos, dos bons, trançado no capricho por um guasqueiro de primeira, lá das bandas do Quaraí, usando o cabresto prendeu a companheira de jornadas junto a uma grama de “sustância”. Isto fez cravando uma estaca bem no meio do gramado caprichosamente conservado pelo pessoal da entidade...
Embaixo dum cinamomo estendeu a carona sobre a grama ainda úmida de sereno, depois o enxergão, os pelegos, fungou de satisfação pela boa viagem feita, que taura macho não suspira. Deu início, então, aos trâsmites necessários ao fechamento de um palheiro mata-rato dos melhores, com fumo-de-corda do Sobradinho, palha-de-milho da Palmeira e avio de fogo, dos que usam uma estopa embebida em gasolina de auto.
Pitou com calma, conversando baixinho com a Xuxa:
- Não me leva a mal, mas de vereda troco o meio de transporte. Esse trecho que levamo quagi treis hora, eu, de apareio, faço em menos de dez minuto. Só que apareio não se presta pressas cosa de barranco. Ansim, teje livre da preocupação com eu te abandoná. Mesmo adespoi de credenciado como piloto, nunca vô te esquecê. Se uma cosa não sô, é ingrato.
Nisto chega o Ventania, acompanhado da Chandelle, a mascote, e uma penca de Ventaniazinhos, que, se fossem xerox do guaipeca, não sairiam tão iguais. Orgulhoso, o cusco trouxe mulher e filhos para apresentar ao dono, como que dizendo:
- A minha parte está feita. São oito descendentes. E tu, que só fica nessas barranqueações e nem um filhote de peão teve a serventia de fazer. Te caparam ou teve caxumba?
Entre peão e cachorro a comunicação realmente funcionava. O Deoclécio entendeu o olhar gozador do guaipeca, deu-se conta do desaforo e em vez de acariciar o patriarca Ventania, fazer um afaguinhos nos filhotes e na mãe, lascou um laçaço de relho no atrevido que, sabedor da arte que fizera, nem reclamou muito. Mal deu um ganido, só para não enfurecer de vez o peão e, prudentemente, reuniu a família, afastando-se para local onde a soiteira do relho não pudesse chegar.
- Havéra de se vê... Até o guaipeca me desaforando por causa de não tê casado ainda. Mas tirá china da zona é que não vô. Ou me aparece prenda de fundamento, ou morro solito. E agora, então, com essas despesa de curso, de hora de apareio é que a cosa encrespa de vez.
Entre pensamentos e prosa solitária nem se deu conta de que já haviam chegado outros alunos. Ao erguer os olhos, levou um prisco, ficou encabulado, tentou disfarçar, cumprimentando os chegantes:
- Buenas. Também viéro se perpará para os exame teórico do curso de apareio?
- Buenos-dias, responderam. É, vamos ver se conseguimos passar nas provas desta vez, que na outra banca levamos fumo.
- Falando em fumo, tenho um loco de especial.
Um gurizote, desses que vão parar em aeroclube empurrados pelo pai para se livrar do serviço militar, mas que nada querem com a vida a não ser aprontar, entusiasmou-se e foi logo se candidatando.
- Pô cara, pelas tuas roupas nunca que ia imaginar que tu gostasses dum baseado. Tô nessa.
E lá sabia o Deoclécio o que era baseado?
Na maior inocência fechou outro palheiro no capricho, sendo que o povoeiro, muito do boca-aberta, nem se deu conta do tipo de baseado que estava no apronte.
O peão deu uma tragada, dessas em que a fumaça expelida poderia ser vista a dezenas de metros, fez uma cara de satisfação e estendeu o palheiro ao amigo.
Esse agiu como é de costume. Encheu os pulmões, trancou o nariz, para prender o fumacê e, quando se deu conta de que não era o que esperava, estava feita a porqueira.
Cada brônquio de seu delicado pulmãozinho reagiu energicamente ao corpo estranho.
Em ânsia de morte o fumaceiro destrancou o nariz delicado, atirou longe o palheiro e entrou num acesso de tosse, que nenhuma gripe-do-porco poderia causar parecido.
Enquanto o maconheirozinho se finava de tossir, o Deoclécio, ofendido desde os mais remotos ancestrais até os descendentes tetranetos, vendo seu palheiro jogado fora, calmamente, lançou mão do relho e, numa precisão de atirador de elite, lascou o primeiro laçaço bem no meio do costilhar do desinfeliz tossidor ...
- Agora tu aprende a fazê poço caso prum gaúcho de minha iguala! Seu nulidade de bosta!
O segundo relhaço atingiu a orelha do guri, que, começou a sangrar e a chorar feito criança.
Os demais não sabiam o que fazer. Na cinta do peão luzia o cano do tresoito. Defender o guri era uma temeridade. Deixar apanhando, seria um massacre.
Nisto o ex-pretendente a isenção do serviço militar atinou com a utilidade das pernas e sebo-nas-canelas, desistiu para todo o sempre da nem iniciada carreira de piloto ...
O gaudério deu uns passos calmamente, agachou-se, juntou o palheiro, reacendeu e, no seu jeito pausado, invitou os presentes:
- Bueno, já que ele não quis, pitemo nosotros.
Deu uma baforada, ofereceu ao que se encontrava pelo lado de montar, iniciando a primeira roda aeropalheira de que se tem notícia.
Dizem que ninguém recusou ...




O trânsito que o Barbosa enfrenta em suas entradas e saídas rumo ao trabalho ...

Tenho a intenção de resgatar um pouco da história da aviação leve, desportiva e geral do Sul do Brasil. Quem tiver algum material, tipo fotos, reportagens, depoimentos, etc, favor enviar para o meu e-mail, vilsombarbosa@terra.com.br . Também gostaria de falar sobre os atuais clubes de ultraleves, pilotos, instrutores, etc. Se você quer divulgar seu aeroclube, escola, turma de pilotos, entre em contato.


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